Recuperação judicial e falência de associações e fundações

A atual crise econômica causada pela pandemia ainda não se fez sentir em toda sua extensão no plano concreto, de modo que a expectativa corrente, não muito alvissareira, é a de que muitas empresas e agentes econômicos em dificuldades financeiras acabarão tendo de avaliar o uso dos mecanismos previstos na Lei nº 11.101/2005, Lei de Recuperação e Falência (LRF), para buscar seu soerguimento, a saber, a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a mediação antecedente com credores.

Não é diversa a situação de muitas associações e fundações que, embora não tenham a finalidade de auferir lucros, desempenham atividade econômica relevante, como mantenedoras de instituições de ensino, hospitais, instituições de longa permanência e entidades desportivas. Muitas delas tiveram suas fontes de receitas reduzidas pela conjuntura econômica. Nesse contexto, é relevante ressaltar que decisões judiciais recentes trouxeram à baila, mais uma vez, a polêmica em torno da possibilidade de associações sem fins lucrativos e fundações se valerem dos mecanismos previstos na LRF.

O artigo 1º da LRF anuncia, com clareza, que seu escopo se restringe ao “empresário e sociedade empresária”. O pressuposto para essa delimitação é justamente a existência de um regime dicotômico, pelo qual empresários ou empresas são inscritos perante os competentes registros públicos de empresas mercantis, ou juntas comerciais, e se submetem ao regime da LRF, ao passo que outras pessoas jurídicas de Direito Privado, como as associações ou fundações, são constituídas em cartórios de registro civil e se submetem ao regime de liquidação de insolvência civil, sem a possibilidade, a priori, do uso de mecanismos de recuperação.

Não obstante a redação clara, testemunhou-se, em casos práticos, uma relativização do comando legal e a adoção de uma interpretação finalística, calcada, em essência, nos princípios da preservação da empresa e de sua função social, de sorte a admitir que tais instituições sem fins lucrativos fossem autorizadas a manejar a recuperação judicial, equiparando-as a “empresas”, embora formalmente não fossem.

Ocorre que a Lei 14.112/2020, que reformou a LRF, nada dispôs sobre o assunto das associações e fundações. Nessa linha, apesar da redação do artigo 1º da LRF permanecer a mesma, abriu-se a possibilidade do uso do argumento de que o legislador deliberadamente deixou de adotar a definição ampla de “agentes econômicos”.

Desse modo, mesmo com a reforma da LRF trazida pela Lei 14.112/2020, o debate sobre a possibilidade de equiparar entidades sem fins lucrativos com empresas, de forma a legitimá-las a se valer de recuperações judiciais, extrajudiciais ou conciliações e mediações antecedentes, permanece em aberto. A jurisprudência parece apontar para uma análise caso a caso no sentido de admitir a concessão de proteção sob a LRF para aquelas instituições sem fins lucrativos que exerçam atividade de impacto social e preencham os requisitos da teoria da empresa, exceto, naturalmente, a distribuição de lucros a seus sócios.

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