STF conclui que direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal

Por decisão majoritária, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que é incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em meios de comunicação. Segundo a Corte, eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, com base em parâmetros constitucionais e na legislação penal e civil.

O Tribunal, por maioria dos votos, negou provimento a um Recurso Extraordinário, onde um crime de grande repercussão geral, foi reconstituído por uma emissora de televisão sem autorização dos familiares da vítima.

Um dos votos pelo desprovimento do recurso, ocorreu sob o argumento de que não há como extrair do sistema jurídico brasileiro, de forma genérica e plena, o esquecimento como direito fundamental limitador da liberdade de expressão e, portanto, como forma de coatar outros direitos à memória coletiva. Tal voto tomou como referência o direito à verdade histórica no âmbito do princípio da solidariedade entre gerações e considerou que não é possível, do ponto de vista jurídico, que uma geração negue à próxima o direito de saber a sua história. “Quem vai saber da escravidão, da violência contra mulher, contra índios, contra gays, senão pelo relato e pela exibição de exemplos específicos para comprovar a existência da agressão, da tortura e do feminicídio?”, indagou uma ministra.

Na votação do recurso, um dos ministros argumentou no sentido de que a liberdade de expressão é um direito de capital importância, ligado ao exercício das franquias democráticas. Por conta disso, enquanto categoria, o direito ao esquecimento só pode ser apurado caso a caso, em uma ponderação de valores, de maneira a sopesar qual dos dois direitos fundamentais (a liberdade de expressão ou os direitos de personalidade) deve ter prevalência, já que “a humanidade, ainda que queira suprimir o passado, ainda é obrigada a revivê-lo”.

Por outro lado, com fundamento nos direitos à intimidade e à vida privada, houve o entendimento de que a exposição humilhante ou vexatória de dados, da imagem e do nome de pessoas (autor e vítima) é indenizável, ainda que haja interesse público, histórico e social, devendo o tribunal de origem apreciar o pedido de indenização. Na hipótese de conflito entre normas constitucionais de igual hierarquia, como no caso, é necessário examinar de forma pontual qual deles deve prevalecer para fins de direito de resposta e indenização, sem prejuízo de outros instrumentos a serem aprovados pelo Legislativo.

Foi ponderado também, o disposto no artigo 220 da Constituição Federal, que assegura a livre manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, está inserido em um capítulo que sinaliza a proteção de direitos. “Não cabe passar a borracha e partir para um verdadeiro obscurantismo e um retrocesso em termos de ares democráticos”, avaliou um dos ministros. Segundo este, os veículos de comunicação têm o dever de retratar o ocorrido. Por essa razão, ele entendeu que decisões do juízo de origem e do órgão revisor não merecem censura, uma vez que a emissora de TV não cometeu ato ilícito.

É inegável que o direito ao esquecimento é uma decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, e, quando há confronto entre valores constitucionais, é preciso eleger a prevalência de um deles. Para outro ministro, o direito ao esquecimento pode ser aplicado. Mas, no caso dos autos, foi observado que os fatos são notórios e assumiram domínio público, tendo sido retratados não apenas no programa televisivo, mas em livros, revistas e jornais.

A tese de repercussão geral firmada no julgamento foi a seguinte:

“É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível”.

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